Assembleia de Marília aprova manifesto com reflexões sobre ensino à distância em meio à crise sanitária, institucional e econômica

Assembleia de Marília aprova manifesto com reflexões sobre ensino à distância em meio à crise sanitária, institucional e econômica

Reunidos em assembleia no dia 13 de julho de 2020, organizada pela Subseção da Adunesp, os docentes do campus da Unesp em Marília aprovaram o manifesto a seguir:

“Neste momento de crise sanitária, institucional e econômica pelo qual passamos, cabe à Adunesp, enquanto sindicato de trabalhadores, cuja prerrogativa é a dedicação ao saber e à compreensão do mundo, não apenas deliberar sobre direitos trabalhistas, mas promover a reflexão sobre a conjuntura e estabelecer um diagnóstico que unifique os diversos aspectos envolvidos na questão.

Com relação à PANDEMIA que nos assola, podem-se levantar questões que vão muito além de soluções pontuais para o problema da impossibilidade de praticar o ensino presencial. A Adunesp não pode se furtar de discutir sobre:

  1. As medidas do governo federal, estadual e municipal na condução de políticas públicas de saúde, e a importância do Sistema Único de Saúde (SUS).
  1. A pandemia tem sido um subterfúgio utilizado na esfera federal e estadual para a retirada de direitos do trabalhador brasileiro, tais como a interrupção do pagamento de salário por parte dos empregadores. O segmento do funcionalismo público tem sofrido sucessivas perdas, como a redução salarial dos aposentados; na Unesp em especial, bem antes da crise sanitária já se vinha implementando uma série de medidas de arrocho, tais como a extinção, na prática, da isonomia salarial com USP e Unicamp, dívida acumulada de reajustes salariais, suspensão das progressões horizontais, precarização acelerada do trabalho de funcionários docentes e técnicos administrativos por suspensão de concursos.
  1. É necessário situar a pandemia no panorama geopolítico, levando-se em conta os interesses do BigPharma, bem como a investida do bloco atlanticista contra os avanços da economia chinesa.

Em vista do isolamento social prescrito como medida preventiva contra a COVID-19, a Unesp instituiu a toque de caixa o ENSINO A DISTÂNCIA, travestido de atividades remotas, que vem se instalando como única saída possível para cumprimento do calendário escolar. Entretanto, não é de agora que a reitoria da Unesp vem incentivando o trabalho remoto, principalmente atividades de docência.

Antes de optar por um ou outro tipo de atividade remota menos prejudicial ao alunado, a categoria docente deveria se indagar: Cui bono? A quem interessa o ensino a distância? Há algum tempo, a Adunesp vem chamando a atenção para a ingerência de conglomerados estrangeiros, tais como a Kroton, na elaboração de diretrizes da educação, em consonância, por exemplo, com a atual gestão do Ministério da Economia do Brasil.

Como resultado da assim chamada parceria público-privada na educação, cuja expressão maior é o FIES, ocorre a sistemática degradação da qualidade do ensino público, agora mediante substituição do ensino presencial pelo ensino a distância. Sendo assim, o ensino a distância seria um capítulo a mais do extenso histórico de políticas de sucateamento da universidade pública no estado de São Paulo e na federação.

A implementação do trabalho remoto configura-se como medida do enxugamento de pessoal na Unesp, pois um professor que ministre aula a distância atinge um número muito maior de alunos. Trata-se da superexploração do trabalho docente, com home office e gravação das aulas para reprodução indiscriminada. Ademais, os professores de nossa universidade não dispõem em suas casas de computadores, microfones e filmadoras adequados, nem sinal de Internet com capacidade para dar conta dessa demanda, portanto, têm de arcar com todos esses gastos, têm de pagar para trabalhar. As aulas gravadas concorrem ainda para a privatização do ensino, na medida em que se tornam uma atrativa fonte de lucro para a universidade, através de transações financeiras do material audiovisual.

Ao disponibilizar aulas na rede, a categoria perde liberdade de cátedra, por se sujeitar a instâncias de controle vinculadas às tecnologias de ensino a distância e por se expor à intimidação de grupos hostis. Além disso, a maioria dos docentes da Unesp não tem formação para esse tipo de trabalho, em parte por idiossincrasia, pois, no caso de cursos como o de Filosofia, que desde sempre implicou diálogo presencial, há total incompatibilidade entre o conteúdo do curso e o ensino remoto.

Por fim, o trabalho docente só se efetiva quando atinge o alunado, o que de pronto está inviabilizado, frente à falta de condições dos estudantes para assimilar atividades remotas. Para sanar esse problema, a reitoria da Unesp limitou-se a oferecer um chip aos discentes, enquanto a Unifesp forneceu notebooks, logo, a retomada das aulas terá de ser precedida de um diagnóstico sobre a real situação de nossa comunidade e um levantamento sobre alternativas propostas por outras universidades.

O corolário de tudo aquilo de que se falou até aqui é a discussão sobre o PAPEL DO INTELECTUAL NO BRASIL, pois o docente não pode ser entendido apenas como transmissor de conteúdos, do contrário perderá a autonomia que caracteriza a profissão.

Em defesa de sua autonomia, diante das investidas que o ensino público e gratuito vem sofrendo – em grande parte devido ao interesse de corporações privadas estrangeiras –, é premente que o professor universitário de instituições públicas brasileiras preze pela soberania do país.

O que está em jogo é muito mais que a reposição de aulas. Mudanças estruturais estão impondo um modelo de universidade submisso ao grande capital, às perdas de direitos sociais de estudantes e trabalhadores e ao aprofundamento dos prejuízos à produção do conhecimento, como instrumento de compreensão e transformação da realidade, numa sociedade tão desigual como a brasileira. Os docentes, de modo algum, podem ceder a estas forças políticas, que visam, em última instância, ao fim da universidade pública, gratuita e de qualidade, a qual, mesmo com problemas e contradições, cumpre papel estratégico na vida nacional.

Assembleia dos docentes do campus da Unesp de Marília, em 13/7/2020