A Portaria 122, as contradições e os equívocos da Unesp ao priorizar a garantia do semestre a qualquer custo

A Portaria 122, as contradições e os equívocos da Unesp ao priorizar a garantia do semestre a qualquer custo

Publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) de 28/3/2020, a Portaria Unesp 122 (clique para conferir), de 27/3/2020, tem como objetivo definir “as diretrizes para o desenvolvimento e a adaptação das disciplinas da Graduação para atividades não presenciais em virtude da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”.

A edição da portaria procura conferir um caráter de legalidade ao conteúdo da manifestação da titular da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), professora GladisMassini-Cagliaria, feita alguns dias antes por meio de vídeo, sobre a qual discorreremos mais a seguir.

A Portaria 122 menciona o Ofício Circular 11/2020 - Prograd, de 16/3/2020, que estabelece, em seu artigo 3o, que “as disciplinas deverão ter continuidade integral ou parcial com o emprego de estratégias de aprendizagem não presenciais, quando possível, o que inclui avaliações, conforme a Resolução Unesp 79, de 25/8/2005”. Em seu Parágrafo 1º, estabelece que “as estratégias não presenciais adotadas devem considerar a possibilidade de alunos que não tenham acesso à rede de Internet de seu local de isolamento social, devendo ser adotadas atividades adequadas para atender às necessidades específicas dos estudantes”. Já no Parágrafo 2o, prevê que “as atividades desenvolvidas remotamente serão creditadas aos estudantes que apresentarem as tarefas e cumprirem os critérios de avaliação definidos pelo docente responsável”.

A mencionada Resolução Unesp 79, de 25/8/2005, no item III do seu artigo 3º, estabelece que “a existência de compatibilidade entre a natureza das disciplinas envolvidas e a aplicação do regime em questão”, ficaa critério do Conselho de Curso, de modo que poderão ficar excluídas disciplinas de natureza eminentemente prática como estágios, prática laboratorial, clínica médica ou odontológica”. (grifo nosso)

O vídeo

No vídeo (clique para conferir), a pró-reitora de Graduação já antecipava as medidas que viriam com a Portaria 122. A fala foi permeada de contradições e incoerências, que pretendem justificar a aplicação de metodologias de Ensino à Distância nos cursos de ensino presencial oferecidos pela Unesp na graduação, ao longo do período de evolução da pandemia em nosso estado, com o intuito de fechar o semestre.

Em seu discurso, a professora inicia afirmandoque é imprescindível que a comunicação com os alunos seja mantida para apoiar “iniciativas de diálogo, de acolhimento e de proteção mútua” durante o período em que perdurarem as medidas do governo do estado de São Paulo, as quais recomendam que servidores e estudantes não frequentem as instalações dos campi. Porém, na sequência, dispara uma série de recomendações, ou imposições veladas, de cumprimento do calendário definido anteriormente ao avanço da pandemia e à aplicação do necessário distanciamento social.

Pretendendo naturalizar o EaD como sendo uma solução espontânea, e mesmo necessária, a professora afirma que “diversas atividades continuam em andamento, sendo realizadas por docentes e estudantes em suas casas” ...  “com o intuito de preservar os vínculos acadêmicos, oferecendo apoio aos estudantes nesse momento crítico”.

 Em um jogo de palavras, a professora tenta sub-repticiamente inferir que o EaD é a solução para a crise e, também, o melhor método de apoio ao aluno. Mas, de fato, o que fica explicitado é que o citado “apoio aos estudantes” não é aquele de se solidarizar e se unir para superar as ameaças da pandemia da Covid-19, quando doença, mortes e falta de sustento financeiro se farão impor com muito mais rigor a muitas das famílias, mas se trata, sim, do “apoio” para atender às exigências de um curso que será oferecido inesperadamente à distância aos mesmos estudantes que escolheram cursos presenciais na Unesp e que, certamente, esperam aulas que permitam o seu crescimento intelectual e social de maneira a não depender exclusivamente de aulas teóricas virtuais. Esta recomendação expõe a insensibilidade da Prograd ao fato de que muitos alunos não irão ter condições estruturais e, provavelmente, nem mesmo emocionais, para o desenvolvimento das atividades de aula em suas residências. Por outro lado, ocorrerá também que muitos docentes não terão condições de realização de EaD, seja devido à urgência nos cuidados dos seus familiares em razão da pandemia, ou mesmo pelo reconhecimento da necessidade de que, para manter as atividades de sua classe, seria necessário utilizar um conjunto de metodologias com as quais um grande número não tem experiência.

Porém, o professor poderá conscientemente não ministrar EaD, por entender que nem todos os seus alunos possuem condições de realizar as atividades à distância e que uma parte seria prejudicada.

A professora, em seu discurso, segue a “incentivar”, ou “recomendar fortemente”, como colocado em comunicação escrita anterior, o ensino à distância para as aulas teóricas, o que será “computado no atingimento dos 100 dias semestrais”. O que é curioso, pois não se tem notícia de que tenha havido um replanejamento das disciplinas para a adequação à modalidade à distância. E nem que o Conselho de Curso tenha tido a oportunidade de se manifestar sobre essa alteração.

Embora anuncie que “o calendário escolar não foi suspenso na Unesp”, a pró-reitora menciona cerca de nove vezes, durante uma fala de deseis minutos, que em algum momento será preciso fazer uma alteração, ou adequação dos calendários, uma vez que, mesmo com recursos de EaD, não será possível ministrar certas disciplinas práticas, ou teórico-práticas, o que é evidente. Diante disso, que sentido teria a manutenção do calendário escolar utilizando “estratégias de utilização de atividades remotas”?

Contraditoriamente às suas recomendações de aplicação do EaD, a própria pró-reitora informa que, para “as disciplinas que continuam suas atividades remotamente, recomenda-se a adaptação dessas atividades solicitadas às possibilidades de conexão dos discentes”, e que nem todas as disciplinas “têm uma natureza que permite sua utilização com atividades remotas”. Como seria possível a continuidade das atividades remotamente sem o acesso à internet? E como seria definida a disciplina que tem “natureza” que permite EaD?

Reconhecendo a complexidade do cenário assim construído, recomenda que “a adequação dos calendários seja feita por curso”. Mas complementa que a “alteração do calendário” estabeleceria que “o horário antes destinado à realização dessas disciplinas (teóricas) poderá ser ocupado por disciplinas práticas, ou teórico-práticas, que precisam repor a carga horária presencial completa”. Ou seja, a adequação do calendário teria que ser por disciplina. Além do que, conforme reconhece a própria pró-reitora, “nem todos os nossos estudantes têm a mesma oportunidade de acesso à Internet a partir de suas residências”. Como seriam repostos os conteúdos curriculares para esses estudantes que não têm acesso à Internet pelos mais diversos motivos?

Enfim, embora o Conselho Nacional de Educação, em sua nota de esclarecimento de 16/03/2020, não torne obrigatório o uso do Ensino à Distância para a continuidade das atividades acadêmicas ao longo da pandemia Covid-19, a Prograd insiste, recomenda e disponibiliza recursos para que as aulas sejam ministradas remotamente (EaD), e estranhamente anuncia a gratuidade (sic) de um deles.

Uma questão de prioridade

Tanto a Portaria 122, de 27/3/2020, como a fala da titular da Prograd alguns dias antes, deixam claro que se trata de uma tentativa de adequar a pandemia ao calendário escolar da Unesp, e não o contrário, como pretende fazer crer a reitoria. Isso porque, conforme trechos mencionados acima, ficam absolutamente desprotegidos os docentes e estudantes que, em função das implicações concretas da alta capacidade de contaminação pelo Covid-19, estiverem impossibilitados de se engajarem nessa cruzada de implantação de EaD na Unesp, seja por estarem eles mesmos sem condições materiais e pedagógicas para isto, seja pela eventualidade de terem pessoas da sua família contaminadas pelo coronavírus e sob seus cuidados.

Portanto, fica evidente que se configura uma iniciativa açodada, destituída de um mínimo de respeito aos órgãos colegiados estatutariamente competentes para a tomada de decisões desta envergadura, explicitando um enorme desprezo pela educação de qualidade que, até o presente momento, é uma característica fundamental dos nossos cursos de graduação.

A edição da Portaria 122, inclusive, passa ao largo de várias manifestações já divulgadas por congregações locais, conselhos de curso e outras instâncias, que rejeitaram esse cenário (clique para conferir)

A Adunesp repudia esta inversão de prioridades exposta pela administração da Unesp, quando a falso título de apoio psicológico aos alunos dos cursos de graduação, estimula a implantação irresponsável e açodada de ensino à distância com um enorme potencial discriminatório e excludente de estudantes em situação de vulnerabilidade, em prol de um calendário impreterivelmente vencido pela situação de pandemia mundial.

O que a Adunesp reivindica e indica

Diante disso, a Adunesp conclama toda a comunidade unespiana a reagir contra essas medidas de caráter ditatorial e profundamente deletérias para a nossa Universidade. Esse é um momento em que só a união de todos e todas que têm consciência da gravidade e excepcionalidade do momento histórico pelo qual estamos passando pode encontrar os melhores caminhos para o seu enfrentamento e superação, inspirados na verdadeira solidariedade, respeito aos dramas humanitários que, de uma forma, ou de outra, atingem a todos e todas nós. Assim, encarecemos às coordenações de curso, presidentes de congregações e conselhos diretores que consultem seus colegiados e se posicionem sobre essas medidas da reitoria, avaliando seus impactos sobre a comunidade unespiana e sobre a qualidade dos serviços prestados pela Unesp.

Em 16/3/2020, por meio de Ofício Conjunto Adunesp/Sintunesp, as entidades sindicais solicitaram uma reunião com a administração superior para participar das discussões sobre as medidas a serem tomadas para enfrentar os desdobramentos da situação de pandemia de Covid-19 em nossa Universidade, o que foi peremptoriamente recusado pela reitoria. Continuaremos insistindo para que sejam consideradas as questões aqui levantadas, empreendendo nossa luta, desde sempre, em defesa da Unesp enquanto universidade pública, laica e de qualidade socialmente referenciada.

Em seu vídeo, a professora Gladis afirma que “momentos excepcionais como este, muitas vezes, pedem medidas excepcionais, mas, todos os momentos, e sobretudo este, pedem solidariedade, compreensão, esforço coletivo, acolhimento”. E, pelo que se depreende da sua fala, a adoção de práticas EaD seria a solução para superarmos todas as dificuldades decorrentes dos efeitos da pandemia de Covid-19. Todos os esforços neste momento de pandemia, portanto, deveriam prioritariamente ser dirigidos para manter o calendário letivo dos cursos da Unesp. Não seria o contrário? O calendário escolar deve ser mantido, mesmo colocando em risco de vida muitos estudantes que, para não perderem o andamento de disciplinas em que estão matriculados, se sentirão obrigados a se expor à pandemia para acessar os conteúdos ministrados à distância?

A Adunesp, na qualidade de representante da categoria docente da Unesp, ao mesmo tempo em que insta as direções locais (congregações, departamentos, conselhos de curso) a debaterem o assunto e se posicionarem junto aos seus docentes e à administração superior, reivindica da reitoria da Unesp o agendamento de uma reunião urgente para debater o cenário da pandemia e seus impactos no calendário escolar. Junto com outras entidades da nossa Universidade, como o Sintunesp e as representações estudantis, podemos e devemos somar esforços para garantir que a nossa prioridade absoluta nesse momento seja a preservação da vida ameaçada pela pandemia do coronavírus.

PELA SUSPENSÃO IMEDIATA DO CALENDÁRIO ESCOLAR DA UNESP

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