CO em 29/8: Isonomia e captação de recursos privados estiveram no centro dos debates

CO em 29/8: Isonomia e captação de recursos privados estiveram no centro dos debates

O debate sobre isonomia foi o tema central e mais polêmico da reunião do Conselho Universitário em 29/8/2019. A reunião também teve outros assuntos relevantes, como o lançamento do projeto “Parceiro Unesp”,a aprovação do “Fundo Patrimonial da Unesp” e o item3, que aumenta, ainda mais, o poder de interferência da CPA no controle da atividade docente e na natureza do seu trabalho.

Isonomia e autonomia

A proposta de inclusão do assunto na pauta foi feita durante a reunião do CO de 27/06/2019, pela conselheira Dayse Iara dos Santos, representante docente da FC-Bauru, com o apoio dos demais representantes docentes membros do “Chapão da Adunesp” e de todos os conselheiros técnico-administrativos membros do “Chapão Sintunesp/Associações”.

Depois de demonstrações explícitas de desconforto com o tema e de inúmeras tentativas de evitar que ele fosse discutido publicamente, tendo sido instada por ampla maioria do CO, a reitoria se viu obrigada a colocar a discussão sobre a “Isonomia entre as Universidades Estaduais Paulistas”, que constou como item 5 da pauta desta reunião.

Havia dois textos para subsidiar a discussão desse item. Um produzido pela conselheira Dayse, subscrito por outros 18 conselheiros,com os principais aspectos históricos acerca da isonomia, além de tabelas comparativas de salários e benefícios da Unesp com as outras duas universidades, entre outros. E um outro, produzido pelo gabinete do Reitor, intitulado “Sobre isonomia entre as universidades estaduais paulistas”, que indelicadamente precedeu ao da professora Dayse no conjunto de documentas enviados aos membros do CO pela Secretaria Geral.

O texto da reitoriafoi exposto na reunião pela professora Maria Encarnação Beltrão Sposito, presidente da Comissão Permanente de Avaliação (CPA). Nele, foram utilizados argumentos aparentemente inspirados em CorneliusCastroriads, Norbet Elias, Alexandre Sassaki, Kante outros, numa tentativa de justificar a quebra da isonomia nos reajustes salariais promovida pelas reitorias da Unesp como decorrência necessária da sua autonomia. Difícil imaginar queos filósofos citados concordariam com o uso que foi feito de suas reflexões.

A isonomia de que estávamos, e estamos, falando está assentada na crença, aparentemente defendida no texto do gabinete do reitor, de que “as atividades desenvolvidas pelos vários profissionais das universidades, que compõem, em princípio, segmentos equiparáveis e desenvolvem atividades equiparáveis”, não devem ter “contrapartida salarial diferente, segundo o nome da universidade”, porque, se assim for, estará se dando tratamento diferenciado e hierárquico à dignidade do trabalho realizado e à importância social e geopolítica das universidades públicas paulistas. E a autonomia de que estamos falando é aquela expressa pela Constituição Federal, em seu Art. 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

O texto da reitoria, salvo melhor juízo, é um esforço inútil para dar ares de legitimidade à asserção de que a quebra da isonomia entre a Unesp e as outras duas universidades públicas paulistas seria um ato que decorre da autonomia da Unesp, e vendê-la como uma implicação lógica simples, direta e, portanto,aceitável sem maiores pudores.

Na verdade, mais uma vez a reitoria agiu como se não tivesse que dar satisfação alguma dos seus atos para a comunidade unespiana, lançando uma “cortina” de fumaça para escamotear a reivindicação de isonomia entre as três universidades públicas paulistas. As manifestações do estafe reitoral foram reprise das que já haviam sido feitas, e podem ser resumidas pela frase: “devo, não nego, pago quando puder”. Todas as evidências e argumentos presentes no documento enviado pela Profa. Dayse e subscrito por outros 18 conselheiros, que mostra a situação dos vencimentos na Unesp e nas outras universidades paulistas, que nos é extremamente desfavorável, foram solenemente desconsiderados. Mesmo diante da decisão favorável do TRT à aplicação do reajuste de 3% (negado em 2016), em ação movida pela Adunesp e que abrange os docentes celetistas da Unesp, e da discussão rica sobre isonomia que foi feita pelos/as conselheiros/as, a reunião teve um final patético. A mesa desrespeitou todas as colocações que foram feitas durante a discussão desse tema no Conselho Universitário, colocando em votação se o plenário era favorável à isonomia entre as estaduais paulistas, sem que se aventasse nenhuma consequência concreta. Obviamente, isto foi aprovado e constitui mais um episódio a evidenciar o quanto nossa democracia interna precisa ser aprimorada, e o tamanho da falta de consideração da atual administração superior da Unesp para com os seus trabalhadores.

Curioso, e frustrante também, é a ausência de menção à busca por mais recursos públicos para as universidades públicas paulistas nas propostas de atuação política que constam no final do documento do gabinete do reitor, trecho que – é preciso reconhecer – exibe alguma coerência. Nas falas e documentos desta reitoria, está sempre subentendida, ou explícita, a concepção de que as universidades têm que caber dentro dos 9,57% do ICMS/QPE, custe o que custar, em vez de se exigir os recursos públicos adequados para a sua sustentação. Esta estratégia projeta um horizonte em que não é possível vislumbrar um futuro para essas universidades, e para a Unesp em particular. Esse é o caminho para desfigurá-la, transformando-a em outra coisa que não a universidade que construímos até hoje, instituição fundamental para o desenvolvimento do estado de São Paulo e do país.

Parceiro Unesp e Fundo Patrimonial

No início da reunião do CO de 29/8,foi feita a apresentação do portal “Parceiros Unesp”, pelo Prof. Henrique Monteiro, superintendente de planejamento da Fundação Vunesp, ocasião em que ocorreu o lançamento oficial do programa, cuja finalidade, conforme explicou, é “buscar parcerias e fontes de recursos” e “regulamentar procedimentos para efetivação do recebimento de doações por pessoas físicas e jurídicas”, “para demandas em que é difícil obter recursos do estado”(!?).

Segundo palavras do reitor, as doações poderão ser feitas para a Universidade como um todo ou diretamente para uma unidade específica. No primeiro caso, caberá ao reitor e à sua equipe decidir o seu uso. No segundo caso, à direção da unidade. O reitor declarou, ainda, que sempre foi “um defensor de diversificação de receitas”,e que isso é “muito importante num momento de crise”.

No item 2 da pauta, estavam a criação do Fundo Patrimonial (FP) da Unesp e a Minuta de Resolução que ‘Autoriza a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” a criar Fundo Patrimonial nos moldes da Lei federal 13.800/2019’.

O reitor disse ainda que a intenção era aprovar a autorização para a criação do fundo e que, se isso ocorresse, a reitoria avançaria na concretização da minuta e que o assunto voltaria para deliberação. Segundo o reitor, a diferença em relação ao “Parceiro Unesp” é que, no fundo, não se mexe nos valores doados e sim nos seus rendimentos.Os recursos provenientes dos eventuais rendimentos do FP poderão ser utilizados para o financiamento de algum item de interesse da Universidade, e de seus doadores, depois que atingir R$ 5.000.000,00. Quando isso ocorrer, serão constituídas a organização gestora de fundo patrimonial e aorganização executora, para definir como será gerenciado o FP.

No decorrer da discussão sobre esta matéria, e depois de fazer algumas considerações sobre possíveis consequências das relações potencialmente perigosasentre a Universidade e instituições de caráter privado que a portaria que regulamenta o (FP) permite, a representação da Adunesp solicitou a retirada deste item da pauta da reunião, o que foi recusado pela mesa.

Entre outras coisas, chamou a atenção o teor do Parágrafo 1º do Artigo 1º do texto da minuta, em que estava escrito o seguinte: “Para fins dessa norma, o Fundo Patrimonial representa uma estrutura de arrecadação criada para perpetuar a existência e a viabilidade financeira desta Universidade, devendo o seu patrimônio ser atrelado à sua causa e seu propósito de perpetuidade, viabilizando a arrecadação de recursos através de receitas auferidas nas formas previstas nos artigos 13 e 14 da Lei Federal n. 13800/2019.”

A representação da Adunesp questionou este trecho, lembrando que, no caso de uma universidade pública, tal objetivo é função do estado.

A mesa propôs, então, modificar o texto da resolução, que ficou com a seguinte redação: ”Para fins dessa norma, o Fundo Patrimonial representa uma estrutura de arrecadação criada para contribuir com a viabilidade financeira desta Universidade, devendo o seu patrimônio ser atrelado à sua causa e ao seu propósito de viabilizar a arrecadação de recursos por meio de receitas auferidas nas formas previstas nos artigos 13 e 14 da Lei Federal n. 13800/2019.”

Analisando alei federal 13.800/2019, cujos “moldes” constituem substrato para a instituição do FP da Unesp, a criação deste fundo tem implicações que dizem respeito ao modo de funcionamento da Universidade. Ele permiteexplicitamente que sejam feitas“doações vinculadas a um propósito específico”, franqueando a interferência de instituições privadas nas atividades da Unesp, com potencial de dirigir e controlar a realização de pesquisas e demais atividades acadêmicas conforme os seus interesses.

Esses são motivos suficientes para que as implicações que decorrem da criação do FP sejam devidamente aprofundadas em discussões das quais participe toda a comunidade unespiana, uma vez que se trata de uma iniciativa que– juntamente com as reformas acadêmica e administrativa baixadas autoritariamente pela reitoria e forças políticas que a apoiam – coloca sob risco o futuro da nossa Universidade, descaracterizando-a como instituição pública, gratuita, e de qualidade socialmente referenciada como tem sido até agora.

Frente às dúvidas que surgiram, foi proposto que o assunto sejalevado às unidades, para conhecimento e discussão, antes que de ser apreciado pelo CO. Mas isso não foi aceito e o reitor colocou o item em votação, em dois momentos: se o CO concordava com a criação do Fundo (60 votos sim, 12 votos não, 5 abstenções) e se a reitoria está autorizada a elaborar minuta de criação (50 votos sim, 18 votos não, 2 abstenções). 

Mais poder à CPA

O item 3 da pauta – “Proposta de Resolução que altera e exclui dispositivos da Resolução Unesp n° 085/1999, que dispõe sobre os regimes de trabalho dos docentes da Unesp – estabelece que “os relatórios anuais, trienais, o relatório circunstanciado abrangendo as atividades desenvolvidas no período, o Plano Global de Atividades para o triênio seguinte, se não estiver confirmado no regime especial, ou de Proposta de Atividade Docente, se já estiver confirmado, ambos em consonância com o planejamento departamental, o qual será apreciado pelo Departamento, Congregação e CPA.”

Além disso, avoca à CPA também o poder de “analisar o conjunto das atividades do docente, mediante solicitação dos relatórios trienais, anteriormente avaliados pela unidade.”

Essas prerrogativas atribuídas à CPA aumentam o seu poder de polícia no controle da “qualidade” e da natureza do trabalho docente, e do nosso regime de trabalho, reforçando o privilégio de que suas decisões se sobreponham às dos Departamentos, Congregações, Conselhos Diretores e ao próprio CEPE.

Essa proposta de resolução foi aprovada com esse texto, contrariamente à posição da Adunesp, que não concorda que tamanho poder possa estar concentrado numa Comissão em que a totalidade dos membros é escolhida exclusivamente pelo reitor, e cuja atuação empobrece a qualidade da democracia interna da Unesp.

Breve resumo da ópera

Em resumo, o que se pode depreender das iniciativas reitorais é que o modelo de universidade por ela defendido, e que está sendo implantado, está fundado na convicção de que a democracia interna é um obstáculo para a gestão universitária, e de que está esgotada a capacidade do estado de custeá-la. Assim, conforma-se e torna-se cúmplice das políticas implementadas pelos governos federal e estadual, de destruição do sistema público de educação superior e da capacidade nacional de produção de ciência, tecnologia e pensamento crítico, dando a sua contribuição para rebaixar a soberania nacional.

Nossa luta agora está voltada para a redução do dano causado por esse tipo de concepção de universidadee para a reconstrução de uma universidade de excelência, que respeita os seus trabalhadores e pretende continuar desempenhando, como sempre o fez, um papel relevante na formação primorosa de gerações de jovens paulistas e brasileiros, dando uma contribuição relevante para o desenvolvimento do país.

Adunesp questionou e-voto (clique para conferir)